Como seguir contemplando aquilo que lhe é, ou que se pensa ser, tão comum? Ela fazia essa pergunta vez ou outra, naquelas horas — na verdade, minutos — em que se presta atenção. Quando se está onde se está.
Passou uma vida ansiando por viagens: conhecer novos cheiros, paisagens, pessoas, sons, comidas… Nos livros pôde viver uma simulação disso. Foi a lugares distantes, mergulhou em experiências profundas. Por vezes narradas em primeira pessoa. Mas a pessoa não era ela. Nem as reais, nem as inventadas. E nada substitui o estar. Livros são seguros demais… A vida de verdade é cheia de riscos.
Havia sentado naquela escadaria muitas vezes antes. Nada aparentemente novo, mas nenhum lugar permanece o mesmo, todo mundo sabe disso. Nem os de tijolos e cimento, quem dirá os de sangue e frios na barriga. Por que não se permitir começar por aqui mesmo suas viagens? Que importa que vivesse nessa cidade desde seu sempre?
Na impossibilidade de ir para longe e na necessidade de sair de dentro, ela decidiu olhar ao redor. Iria experienciar esse lugar que lhe parecia tão… Ordinário? Tentar vivenciá-lo em um tempo que existe além dos compromissos, num ritmo que te convida a estar. Começar por aí… Começar é sempre tão difícil, né?
Mas era isso. Uma jornada de descobertas, enfim. O dia de ir ao encontro dela mesma havia chegado, ou melhor, sido percebido — já estava tudo aqui. A semente já tinha germinado nas condições de temperatura e umidade certas, criado suas raízes. Agora era a hora de estar sob a luz do sol…
Curiosamente ela não sentia um frio na barriga diante da viagem iminente. Ela sentia paz. Talvez seja isso que acontece quando a gente decide seguir o caminho que desejamos. Quando tomamos coragem de ir sem se sentir pronto. Dar as caras para a vida…
Só vai.
Florianópolis, novembro de 2024.
CARTAS são textos do passado que, por ainda conversarem com o presente, encontram seu próprio espaço nesse caminar.
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